Numa economia tão caracterizada pelo consumismo, entender o comportamento e as decisões do consumidor é cada vez mais importante. No entanto, a componente financeira da economia tem papel de destaque sempre que a área é mencionada, fazendo com que alguns ramos adjacentes acabem por passar despercebidos. Assim, independentemente da sua importância para o quotidiano do consumidor, estes acabam por ser negligenciados pelo ser humano. Exemplo disto é a economia comportamental que, apesar de ter crescido consideravelmente nos últimos anos, tem passado despercebida aos olhos do ser humano comum.
Informalmente conhecida por ser uma junção da psicologia com a economia, a economia comportamental estuda as influências cognitivas, sociais e económicas do comportamento económico de cada indivíduo. O crescimento desta área deve-se maioritariamente ao aumento da utilização de mecanismos nudge, que têm vindo a suscitar interesse de organizações, empresas e até Governos. Mas que fenómeno é este que está a revolucionar a indústria comercial?
Embora não haja consenso em relação a como ou quando surgiu esta teoria, é sabido que foi popularizada em 2008 com a publicação da obra “Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness”. Esta foi escrita por Richard Thaler, magnata da economia comportamental, com a ajuda de Cass Sunstein – advogado e professor norte-americano em Harvard que, inclusive, foi Administrador do Escritório de Informação da Casa Branca durante o mandato de Barack Obama. Além de ter vendido vários milhões de cópias por todo o mundo e ter sido New York Times Best-seller, este livro catapultou Richard Thaler e a teoria do nudge para a spotlight, dando mais exposição ao trabalho notável que este tinha vindo a desenvolver ao longo dos anos neste âmbito.
Thaler foi um dos primeiros estudiosos a unir a economia à psicologia. A sua premissa básica é que os seres humanos não são sempre racionais e que as suas escolhas são baseadas em questões subjetivas e culturais. A linha de pesquisa de Thaler – a economia comportamental – humaniza a economia. De certa forma, mostra que as tomadas de decisão não são tão simples como pensavam os economistas e foi precisamente isso que lhe valeu o Prémio Nobel da Economia em 2017. Numa coluna de jornal que escreveu, explica o conceito: “Um problema importante na teoria económica tradicional é que os economistas descartam qualquer fator que não influenciaria o pensamento de uma pessoa racional. Mas infelizmente para a teoria, muitos fatores considerados irrelevantes importam”. Graças às suas contribuições para a economia comportamental e ao seu trabalho pioneiro em estabelecer que as pessoas são previsivelmente irracionais de maneiras que desafiam a teoria económica, Richard Thaler tornou-se numa das figuras mais importantes da economia moderna e ganhou o título de “pai da economia comportamental”.
No que toca à teoria do nudge em concreto, esta é baseada no facto do consumidor ser facilmente influenciado por mudanças no seu meio envolvente. Assim, certas combinações de cores, cheiros, ou até mesmo a disposição dos produtos em lojas físicas podem aumentar a probabilidade de um indivíduo despender mais do seu rendimento. Como é óbvio, estas estratégias podem ter um impacto positivo no lucro de várias corporações e, por isso, têm sido alvo de grande investimento por parte das mesmas, nos últimos anos. No entanto, o nudge pode ser utilizado em outros contextos e não ter como objetivo maximizar o lucro de uma empresa. Pode servir para incentivar a população a viver um estilo de vida mais saudável, por exemplo.
A palavra-chave quando se fala desta teoria é “responsabilidade”. Ao utilizar este tipo de estratégias, as organizações estão a “empurrar” – tradução direta de nudge – o seu público-alvo para tomar uma determinada decisão. Logicamente, esta decisão pode favorecer as organizações, a população ou, em alguns casos, ambos. Assim, cabe à entidade que utiliza mecanismos nudge revelar responsabilidade e consideração ao aplicar os mesmos. Debrucemo-nos sobre alguns exemplos.
Em 2020, Diogo Gonçalves, fundador da Nudge Portugal, elaborou um projeto num supermercado Auchan, cujo objetivo, além de comercial, era promover o consumo de legumes e verduras. Neste âmbito, o professor universitário com vasta experiência no ramo da economia comportamental colocou vários cartazes em zonas estratégicas do supermercado, onde se lia “As famílias mais saudáveis desta loja compram, em média, 11 artigos de legumes por visita. E você?”. Este método teve resultados bastante positivos, registando um aumento no consumo destes produtos de mais de 12% – valor que corresponde ao crescimento de vendas esperado quando há uma redução dos preços. Num país onde 67% da população acima dos 15 anos tem excesso de peso (dados da OCDE), o uso de estratégias nudge neste sentido pode contribuir para o bem-estar da população e, por isso, tem recebido feedback positivo de personalidades como Maria João Gregório, diretora do Programa Alimentação Saudável, da Direção-Geral da Saúde.
O Governo sueco também viu neste tipo de estratégias uma oportunidade para promover um estilo de vida mais saudável. Ao reparar que o número de pessoas que utilizava as escadas “tradicionais” em vez de escadas rolantes após saírem do metro era muito reduzido, o Governo decidiu pintar as teclas de um piano ao longo dos degraus, associando-lhes sons de um piano real. A ideia inovadora foi um êxito. A população ficou fascinada pelo carácter animado e disruptivo das “escadas-piano”, registando-se um aumento de 66% no número de pessoas que utilizava as mesmas.
Também no Reino Unido foi utilizada uma ferramenta nudge num âmbito social, mas desta vez interativa. Confrontada com o número acrescido de beatas atiradas para o chão, a organização de defesa do ambiente “Hubbub” colocou cinzeiros espalhados pelas cidades e uniu a preservação do ambiente com o desporto rei da região: o futebol. Estes cinzeiros – conhecidos como “Ballot Bins” – tinham dois depósitos distintos e transparentes com a seguinte pergunta: “Qual o melhor jogador do mundo?” As opções eram Ronaldo e Messi – cada um alocado a um depósito, de forma ao fumador dar a sua opinião. Este mecanismo foi um sucesso tão grande que foi reproduzido utilizando diferentes modalidades (Fórmula 1, ténis e críquete) e fez com que os índices de poluição provocada por beatas diminuíssem em 46%. Foi também reproduzido nos EUA, reduzindo este tipo de poluição em cerca de 74%.
Contudo, os mecanismos nudge são também férteis para a publicidade e o marketing, como estratégias de influenciar os consumidores numa lógica unicamente comercial. Deste modo, áreas como o neuromarketing têm vindo a ganhar relevância ao longo dos anos, como podemos observar no gráfico.
É este crescimento que mais do que duplicará o market size do neuromarketing até 2030 para 2713.86 milhões de USD. (Source: Verified market research). Porém, esta área – e outras aliadas – são muito mais complexas do que utilizar ferramentas como as descritas anteriormente. O neuromarketing, aliado à neurociência, estuda as reações do córtex cerebral a diferentes estímulos, com o objetivo de percecionar quais os produtos que chamam mais a atenção do consumidor. Através de tecnologias de eye tracking e fMRI (Functional magnetic resonance imaging), as empresas conseguem delinear um comportamento-tipo do consumidor que, de tão realista, chega a ser considerado sinistro. Enquanto eye tracking é autoexplicativo, a tecnologia fMRI mede os estímulos cerebrais a partir de mudanças na pressão arterial e nos níveis de oxigénio no sangue.
A partir de toda a informação recolhida através desta cutting edge technology, as empresas conseguem melhorar a sua abordagem ao consumidor de modo a torná-la mais atrativa e/ou despoletar um certo tipo de emoção que leve a uma compra. Assim sendo, coloca-se a questão mais controversa da área da economia comportamental e dos seus ramos: será ético explorar o consumidor a este nível?
A 12 de outubro de 2020, o jornal Expresso publicou um artigo em que se lia “O nudge, que em português significa ‘empurrão’, joga com a nossa perceção da realidade para defender que uma pequena alteração do contexto é suficiente para influenciar uma escolha. Mas se a teoria tem base científica, há uma questão inevitável: seremos levados à decisão certa?” Este é um dos temas que mais se debate na mesa redonda que é a economia comportamental. Se as escolhas do ser humano são influenciadas com tanta facilidade e se este não se apercebe que está a ser alvo de estratégias do género, será utilizá-las ético?
A economia comportamental é uma área bastante peculiar. Ter o poder e a capacidade de influenciar as escolhas de terceiros não só exige uma responsabilidade tremenda, como distorce a intenção inicial do indivíduo. No entanto, quanto a este último aspeto, estamos perante uma dicotomia. Por um lado, através da economia comportamental e técnicas nudge, várias empresas levam o consumidor a despender mais do seu rendimento e têm aumentado o seu volume de vendas. Por outro, Thaler, ao longo do seu vasto percurso na economia comportamental, sempre priorizou o bem-estar do indivíduo e a sustentabilidade, tal como a Hubbub. É esta a dicotomia da economia comportamental: a dualidade da influenciabilidade do consumidor.
O facto de a ética desta área ser posta em questão diz respeito a isto mesmo. A população é influenciada com muita facilidade e, assim, pode ser nudged a tomar decisões que a prejudiquem e/ou favoreçam terceiros. Apesar de serem claramente imorais, estes tipos de situações não são assim tão incomuns como seria desejável. Os números não mentem: 95% das nossas decisões são irracionais; e a arquitetura da escolha, ou nudge, tem ganho terreno na sociedade moderna por ser uma maneira viciosa de capitalizar na irracionalidade do ser humano.
Através de um raciocínio lógico, não é difícil chegar à conclusão de que a eticidade da economia comportamental e dos seus ramos depende unicamente dos valores das organizações. Se o consumidor for influenciado de uma maneira que o beneficie, é positivo, mas se o contrário acontecer, passa a ser imoral. Contudo, este raciocínio não é tão linear como aparenta. A economia comportamental e os mecanismos relacionados – nomeadamente os nudge – pressupõem alterações na vontade do ser humano e se, como disse Eça de Queirós “O Homem só vale pela vontade”, surge a questão: ao ver a sua vontade influenciada, será que o Homem não perde parte da sua essência?
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