Análise quantitativa e qualitativa do sucesso desportivo

Um dos temas mais presentes do momento é o Campeonato Mundial de Futebol FIFA de 2022, a vigésima segunda edição deste evento desportivo de futebol masculino quadrienal que tem ocupado os ecrãs de biliões de adeptos espalhados pelo mundo. Sendo o futebol um dos desportos mais apreciados a nível global e tendo este torneio uma frequência relativamente rara, é esperado que venha a atrair 1.2 milhões de turistas para o Qatar, nação anfitriã. Com apenas 2.7 milhões de habitantes, o país irá receber quase metade da sua população e beneficiar de um crescimento económico de 3,4% em 2022, de acordo com o FMI.

No contexto de um espetáculo que, globalmente, faz sentir um entusiasmo inédito e um impacto quer económico quer cultural fora do comum, as questões levantadas relativamente ao destino escolhido para o evento tornam-se uma preocupação do público geral e ecoam no foco dos media e do public eye. Têm sido abordadas temáticas como os direitos dos trabalhadores, a liberdade de expressão e de imprensa, a igualdade de género ou a liberdade sexual. As reações diplomáticas internacionais dividem-se, associando uma onda de controvérsia a um dos torneios mais prestigiados e celebrados do mundo ocidental.

A presença assídua deste tópico no dia-a-dia permite-nos levantar questões adicionais, quando observarmos por exemplo o ranking das seleções nacionais participantes no Campeonato Mundial. Que características permitem a certos países ter uma performance no futebol acima da média? Poderemos estabelecer alguma relação – demográfica, económica, geográfica, cultural – que dite quais os países que serão impulsionados para posições superiores do ranking e quais aqueles que ficarão para trás?

A disciplina da Sociologia já conduziu investigação neste âmbito, tendo produzido estudos que exploram a existência de relações entre a performance desportiva dos países – mais especificamente, futebolística –  e fatores diversos, como o respetivo grau de desenvolvimento económico, a dimensão da sua população ou mesmo a cultura e instituições do país.

Uma primeira hipótese foi defendida por Omondi-Ochieng (2015), Bredtmann (2014) e Hoffmann (2006), argumentando que a prosperidade económica está positivamente relacionada com a performance futebolística do país, ao permitir que uma maior quantidade de recursos económicos seja alocada ao desporto.

Podemos afirmar que a tecnologia de produção de um jogo de futebol é semelhante por todo o globo: no relvado, independentemente de tudo, são sempre 11 contra 11 e, mesmo com melhores ou piores chuteiras, relvado ou bola, aquilo que prevalece é a qualidade da equipa.

Apesar deste aparente pé de igualdade, toda a infraestrutura que antecede os campeonatos poderá ser fortemente influenciada pelo desenvolvimento económico do país, introduzindo desigualdades no desempenho comparativo. Em primeiro lugar, os países mais ricos tendem a ter uma maior abundância de recursos para as faixas etárias mais novas poderem integrar equipas juniores, com treinadores formados, pessoal médico e outros profissionais que potenciam a performance e o desenvolvimento dos jovens atletas. Neste sentido, dispõem de estruturas mais desenvolvidas de seleção e desenvolvimento de talento das camadas jovens.

Outra hipótese explorada por Bredtmann (2014) e por Macmillan e Smith (2007) argumenta que a dimensão da população do país também contribui positivamente para a melhoria do desempenho no futebol. Seria plausível argumentar que, mantendo tudo o resto constante, quanto mais população tem um país, mais capacidade de filtragem e seleção de talento terá. Esta análise sustenta-se para os países da América Latina, contudo é rejeitada por outros autores, que olham para exemplos como a China, a Índia ou a Indonésia – países bastante populosos mas que atingem pouco sucesso no futebol internacional.

Mesmo pondo de parte estes outliers e tendo em consideração apenas conjuntos de países próximos geograficamente nos quais o futebol tem uma importância sociocultural similar, Gelade (2007) e outros estudos chegaram já à conclusão que a relação entre estes dois fatores, apesar de existente, é extremamente reduzida.

Ainda outra hipótese a ser discutida é a influência da história, cultura e instituições específicas ao país neste desporto. Em primeiro lugar, os países, apesar de ricos e de grande dimensão, poderão ter uma preferência cultural por outros desportos que não futebol, como é o caso dos EUA. Além disso, estruturas políticas, como por exemplo a obrigatoriedade do serviço militar, poderão intervir igualmente, interrompendo o desenvolvimento dos atletas durante um período de tempo potencialmente significativo. Um dos fatores mais importantes a considerar quando suportamos esta tese é o elevado nível de popularidade e entranhamento do futebol nos cidadãos dos países, que faz com o que o desporto simultaneamente crie e disponha de recursos económicos abundantes.

Foquemo-nos na relação positiva entre o grau de desenvolvimento económico e a performance futebolística do país, argumento até agora relativamente unânime. Embora seja possível encontrar diferentes estudos que corroboram esta tese, será a relação positiva uma verdade absoluta?

Na verdade, ao analisarmos dados que justapõem o ranking FIFA e o PIB per capita de um conjunto de países, podemos chegar à conclusão que frequentemente verifica-se a situação exatamente oposta.

Veja-se a título de exemplo o Brasil, que embora seja o país melhor classificado no ranking da FIFA, ocupa o 15º lugar no ranking de PIB per capita. No gráfico em análise, é possível verificar, de grosso modo, uma relação inversa entre o posicionamento dos diferentes países que estão a competir no Campeonato Mundial de Futebol FIFA de 2022 no Ranking da FIFA e do seu indicador de desenvolvimento económico.

Veja-se a título de exemplo o Brasil, que embora seja o país melhor classificado no ranking da FIFA, ocupa o 15º lugar no ranking de PIB per capita. No gráfico em análise, é possível verificar, de grosso modo, uma relação inversa entre o posicionamento dos diferentes países que estão a competir no Campeonato Mundial de Futebol FIFA de 2022 no Ranking da FIFA e do seu indicador de desenvolvimento económico.

Comparando as hipóteses levantadas pela investigação realizada neste âmbito com aquilo que é observado na realidade, levanta-se uma questão cuja resposta percorre diversas áreas, da social à económica, da política à tecnológica:

O que permite às seleções de países não tão desenvolvidos alcançar resultados desportivos tão bons ou melhores que seleções de países que têm todas as condições sociais, económicas, tecnológicas que podem garantir o sucesso desportivo dos seus atletas?

A verdade é que a resposta a essa questão não está assim tão distante quanto se pode pensar e dá relevo aos fatores que potenciam a prática desportiva nos países mais pobres.

De um modo geral, a pobreza surge como um constrangimento que pode potencialmente enriquecer as experiências de desenvolvimento do futebol dos jogadores em países mais pobres. No entanto, a pobreza não é a causa direta do desenvolvimento de aptidões futebolísticas de topo. Pelo contrário, esta cria contextos específicos que potenciam as possibilidades de aquisição de perícia, por colocarem os jovens em contacto com situações desfavoráveis ao praticar a modalidade.

Nesse sentido, num país com uma pior performance económica, as atividades desportivas auxiliam a que as pessoas tenham igualmente a possibilidade de ter momentos de lazer a baixo custo, obtenham acesso a oportunidades de emprego e mantenham a saúde e o bem-estar. Este fenómeno é particularmente notório em ambientes urbanos densos, tais como favelas.

Veja-se a título de exemplo os jogos que decorrem em campos de terra batida, de pés descalços que moldam a conhecida peladinha. Perante o hábito a estas condições, um jogo onde existe acesso a chuteiras de centenas de euros e bolas em perfeitas condições não passa de um “passeio na praia” para qualquer jovem sonhador.

Adicionalmente, o desporto é tido em conta como uma atividade de lazer. Como tal, é legítimo afirmar que à medida que qualquer economia se desenvolve, e a produtividade aumenta, o custo de oportunidade do lazer aumenta.

Ainda mais, em países onde se verifica uma grande discrepância entre estatutos sociais, as crianças com menos possibilidades financeiras acabam por se dedicar numa maior intensidade ao desporto, em comparação com as crianças ricas que tendem a ter outros deveres e passatempos, decorrentes do seu posicionamento na cadeia social.

Num país em vias de desenvolvimento, onde as alternativas são escassas, muitas crianças têm de escolher entre integrar um mercado de trabalho informal e muito frequentemente mal remunerado ou a vida do crime e das drogas ilegais com um maior potencial retorno.

Neste contexto, o estrelato desportivo surge enquanto oportunidade para um futuro melhor. Inspirados pelos seus heróis do futebol, muitos destes jovens estão motivados e determinados a sair destas condições miseráveis através do futebol.

Estas ambições não são novas. Desde que o futebol se profissionalizou na década de 1930 e se tornou um desporto nacional, estes jogadores de estatuto económico social mais baixo têm visto o futebol como uma forma exequível de escapar à pobreza.

Como Didi, uma estrela do futebol brasileiro nos anos 50, afirmou, “O rapaz que tem uma vida fácil não tem hipóteses no futebol porque não sabe o valor de um prato de comida”.

Estas ambições não são novas. Desde que o futebol se profissionalizou na década de 1930 e se tornou um desporto nacional, estes jogadores de estatuto económico social mais baixo têm visto o futebol como uma forma exequível de escapar à pobreza.

Como Didi, uma estrela do futebol brasileiro nos anos 50, afirmou, “O rapaz que tem uma vida fácil não tem hipóteses no futebol porque não sabe o valor de um prato de comida”.

Assim, e de um ponto de vista psicológico, é debatível que ter uma resistência mental bem estabelecida, ousadia, coragem e atitude são todas características que afetam positivamente a performance desportiva de um jogador, independentemente da modalidade que este pratique.

Claro está que, para jogadores que outrora foram crianças que tiveram de sobreviver toda a sua infância em favelas rodeadas de perigos, é fácil relativizar a pressão num campo de futebol, comparando-a com os ambientes violentos que enfrentaram.

Nesse sentido, Emerson, também conhecido popularmente no Brasil pelo apelido Sheik, nasceu e foi criado numa favela no Rio de Janeiro. Como ex-futebolista profissional, alcançou o seu sucesso ao vencer, como jogador decisivo, três títulos consecutivos do Campeonato Brasileiro. Nessa última época, numa conferência de imprensa, explicou como a vida na favela o ajudou a não sentir pressão dos jogos decisivos:

“Nasci e fui criado num lugar muito simples, e vi coisas que talvez muitos de vós [jornalistas] nunca verão. Anteriormente, perguntaram-me se sentia pressão por jogar no estádio Bombonera, na Argentina [jogo de primeira mão]. Cara, a pressão é estar deitado na cama com medo que as balas perdidas possam atingir o seu rosto, o peito, sim, isso é pressão. Jogar num estádio cheio de bolas novas, relva perfeita, etc…, não há espaço para sentir pressão, é tudo uma questão de prazer”.

Por fim, após um deep dive sobre a questão inicial, é legítimo afirmar que há uma resposta para o porquê de seleções de países não tão desenvolvidos terem a capacidade de alcançar resultados desportivos igualmente bons ou até melhores que países que dispõe de todas as condições para garantir esses mesmos resultados: os seus jogadores, o seu passado e a sua personalidade moldada por experiências ao longo da sua vida.

 

Efetivamente, o porquê do sucesso estende-se muito para além da capacidade financeira e do desenvolvimento humano de um país. Não podendo negligenciar o fator monetário a 100%, a realidade é que a as conquistas de muitos desportistas está associada à sua motivação e ambição insaciável, movidas pela sua necessidade de abandonar as condições de vida a que estão sujeitos e que os colocam numa situação em que o sucesso é imperativo, devido às escassas alternativas de escapar à pobreza. Perante este cenário, são poucas as situações em campo que poderão afetar o foco e a mentalidade destes atletas.

 

Deste modo, podemos concluir que não há uma fórmula mágica e única para o sucesso de um país nesta modalidade desportiva. Será a conjunção de todos os fatores explorados, alguns até dificilmente mensuráveis, que irá ditar a posição de cada nação nos rankings internacionais. Não podemos incorrer no erro de tentar estabelecer uma relação entre o desempenho desportivo e uma única variável, mas algo que efetivamente podemos perceber é que o fator sucesso em qualquer área da vida humana está indubitavelmente associado, seja em que percentagem for, à paixão, força de vontade e desejo profundo e genuíno do ser humano em alcançar os seus objetivos, muitas vezes, contra todas as expectativas.

Assim, e de um ponto de vista psicológico, é debatível que ter uma resistência mental bem estabelecida, ousadia, coragem e atitude são todas características que afetam positivamente a performance desportiva de um jogador, independentemente da modalidade que este pratique.

Claro está que, para jogadores que outrora foram crianças que tiveram de sobreviver toda a sua infância em favelas rodeadas de perigos, é fácil relativizar a pressão num campo de futebol, comparando-a com os ambientes violentos que enfrentaram.

Nesse sentido, Emerson, também conhecido popularmente no Brasil pelo apelido Sheik, nasceu e foi criado numa favela no Rio de Janeiro. Como ex-futebolista profissional, alcançou o seu sucesso ao vencer, como jogador decisivo, três títulos consecutivos do Campeonato Brasileiro. Nessa última época, numa conferência de imprensa, explicou como a vida na favela o ajudou a não sentir pressão dos jogos decisivos:

“Nasci e fui criado num lugar muito simples, e vi coisas que talvez muitos de vós [jornalistas] nunca verão. Anteriormente, perguntaram-me se sentia pressão por jogar no estádio Bombonera, na Argentina [jogo de primeira mão]. Cara, a pressão é estar deitado na cama com medo que as balas perdidas possam atingir o seu rosto, o peito, sim, isso é pressão. Jogar num estádio cheio de bolas novas, relva perfeita, etc…, não há espaço para sentir pressão, é tudo uma questão de prazer”.

Por fim, após um deep dive sobre a questão inicial, é legítimo afirmar que há uma resposta para o porquê de seleções de países não tão desenvolvidos terem a capacidade de alcançar resultados desportivos igualmente bons ou até melhores que países que dispõe de todas as condições para garantir esses mesmos resultados: os seus jogadores, o seu passado e a sua personalidade moldada por experiências ao longo da sua vida.

 

Efetivamente, o porquê do sucesso estende-se muito para além da capacidade financeira e do desenvolvimento humano de um país. Não podendo negligenciar o fator monetário a 100%, a realidade é que a as conquistas de muitos desportistas está associada à sua motivação e ambição insaciável, movidas pela sua necessidade de abandonar as condições de vida a que estão sujeitos e que os colocam numa situação em que o sucesso é imperativo, devido às escassas alternativas de escapar à pobreza. Perante este cenário, são poucas as situações em campo que poderão afetar o foco e a mentalidade destes atletas.

 

Deste modo, podemos concluir que não há uma fórmula mágica e única para o sucesso de um país nesta modalidade desportiva. Será a conjunção de todos os fatores explorados, alguns até dificilmente mensuráveis, que irá ditar a posição de cada nação nos rankings internacionais. Não podemos incorrer no erro de tentar estabelecer uma relação entre o desempenho desportivo e uma única variável, mas algo que efetivamente podemos perceber é que o fator sucesso em qualquer área da vida humana está indubitavelmente associado, seja em que percentagem for, à paixão, força de vontade e desejo profundo e genuíno do ser humano em alcançar os seus objetivos, muitas vezes, contra todas as expectativas.

João Araújo

Ana Nogueira

Quer saber mais?

Subscreva a nossa newsletter!